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Federico García Lorca - AGUSTÍN SCIAMMARELLA |
Biblioteca Nacional
espanhola lança um índice de autores que são símbolos de um país dividido
No ano de
1936, a Espanha se partiu em duas. E o golpe de Estado que abriu caminho
para a Guerra Civil arrasou também um futuro de brilhantismo nas letras ao
grito de “Morram os intelectuais!”. Oitenta anos depois, a maioria das feridas
daquela época estão cicatrizadas. A Biblioteca Nacional espanhola quer terminar
de curá-las e por isso elaborou um índice de autores desaparecidos
dos dois lados, cujos direitos passam a domínio público agora. “Foi um ano
dramático, no qual se perdeu muito mais do que o imaginável. Resta construir
pontes, mais ainda agora que os direitos desses autores ficam à disposição de
todos e se multiplicam as possibilidades de difusão de suas obras”, afirma a
diretora da BNE, Ana Santos Aramburo.
Na Espanha, a lei determina 70 anos a partir da
morte de um autor para que sua obra entre em domínio público. A partir de 1o de janeiro do ano seguinte, qualquer pessoa
pode usar suas obras, com a condição de respeitar o direito moral e a autoria.
No entanto, o sistema, semelhante na maioria dos países, vale apenas para as
mortes posteriores a 7 de dezembro de 1987, quando foi reformada a Lei de
Propriedade Intelectual. Os autores falecidos antes estão sujeitos à legislação
de 1879: seus direitos caducam 80 anos e um dia após a morte, como esclarece o
advogado especialista em Propriedade Intelectual Andy Ramos. Assim, a obra de
autores como García Lorca e Valle-Inclán, falecidos em 1936, já se
tornou disponível a todos. E em 1ode janeiro
somou-se a ele Miguel de Unamuno, morto em 31 de dezembro de 1936.
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Miguel de Unamuno - AGUSTÍN SCIAMMARELLA |
Mas esse
ano significou muito mais. José Carlos Mainer, catedrático da Universidade de
Zaragoza e crítico do EL PAÍS, elaborou uma lista na qual, além dos
consagrados, inclui vários autores dessa época a serem lembrados. “O ano de
1936 foi um annus horribilis, mas também mirabilis. Sabemos quem foram seus falecidos célebres.
Mas também foi um ano de grandes livros de autores que continuaram vivos: Juan de Mairena, de Machado; Canción, de Juan Ramón Jiménez; o segundo Cántico, de Jorge Guillén; Razón de amor, de Pedro Salinas, La realidad y el deseo, de Luis Cernuda: obras de
velhos e de outros que já não eram tão jovens. Isso nos dá a medida do que foi
destruído sem chance de recuperação”, comenta. “Para mim, aquele ano continua
sendo o erro que abriu uma brecha duradoura no desenvolvimento de nosso país
como comunidade cultural e política. ”
Não só do lado perdedor, mas também entre os que
ganharam a guerra. “Falo de Muñoz Seca, a quem sempre deveremos La venganza de don Mendo... Não esquecemos de
pessoas de extrema direita que também desapareceram como Ramiro de Maeztu e
Manuel Bueno, que deixou Valle-Inclán desamparado e que escreveu em 1936 um
romance sobre as culpas dos descontentes do início do século, Los nietos de Danton. Também menciono como escritores
três clérigos assassinados: Julián Zarco, que era bibliotecário erudito de El
Escorial; Zacarías García Villada, o criador da paleografia espanhola, e o
Padre Poveda, criador da Institución Teresiana, que tem papel de destaque no
feminismo católico. E, sem dúvida, José Antonio Primo de Rivera e Ramiro
Ledesma Ramos, porque, apesar de serem políticos fascistas, escreveram romances”, afirma Mainer.
Parece que uma nova vida espera por muitos deles.
José Antonio Ponte Far, patrono da Fundación Valle-Inclán, considera que o
vencimento dos direitos “vai favorecer a difusão da obra de Valle e o aumento
de suas traduções ao galego”. “A passagem para o domínio público é notável.
Para vários autores, representou uma publicação muito maior. Mas quantidade não
significa qualidade”, adverte Diego Moreno, responsável pela editora Nórdica. É
precisamente para aumentar o alcance das criações que a propriedade
intelectual, diferentemente da de um carro ou casa, caduca. “Os prazos
respondem a um equilíbrio entre o acesso à Cultura, que enriquece a sociedade,
e a proteção do autor e de seus descendentes”, acrescenta Ramos.
No caso
de García Lorca, a receita dos direitos era repartida igualmente entre seus
seis herdeiros. “Não são cifras milionárias, mas alguma renda, afinal”, afirma
Mercedes Casanovas, da agência Casanovas y Lynch, que gerencia os direitos do
poeta granadino. E Moreno conta como se calcula habitualmente o número.
Primeiro, multiplica-se a tiragem do livro por seu preço de venda. Entre 8% e
10% do total se destinam aos royalties:
normalmente a metade como antecipação e a outra à medida que a obra vai sendo
vendida.
“As
criações de Lorca sempre foram publicadas em muitas editoras, sem contratos
exclusivos. Mas ultimamente temos recebido perguntas sobre quando passava a
domínio público”, acrescenta Casanovas. Essas dúvidas refletem a confusão
envolvendo os direitos autorais. Por exemplo, Lorca já é de todos na Espanha,
mas não nos Estados Unidos, onde o prazo depende da data da primeira publicação
de cada obra no país. Ao mesmo tempo, muitíssimos autores estrangeiros são
liberados em seu país uma década antes dos 80 anos espanhóis e com frequência
as editoras nacionais não sabem se já podem publicá-los – como fizeram
erroneamente com O grande Gatsby em 2011 – ou
não, porque alguém detém os direitos na Espanha. É por isso que muitos
entrevistados expressam o mesmo desejo: um portal que permita identificar quem
administra os direitos de cada autor, até quando ou se já pertence ao domínio
público. A lista da Biblioteca Nacional, pelo menos, é um primeiro passo.
OS
ÚLTIMOS DIREITOS AUTORAIS DE LORCA
García
Lorca faleceu em 18 de agosto de 1936. Portanto, 80 anos depois, sua obra está
em domínio público. Por isso Diego Moreno se apressou em publicar o granadino
no ano passado, o quanto antes. E conseguiu que Los
árboles se han ido (Nórdica) fosse um dos últimos livros de
Lorca a pagar direitos. “É uma responsabilidade do editor, não tanto para a
família mas para o autor. Pareceu-nos respeitoso e bonito. Para os criadores
mortos por causas não naturais, e mais ainda por assassinato, o prazo deveria
ser mais longo. García Lorca teria gerado obras e direitos por mais 50 anos”,
afirma.
Vai
exatamente nesse sentido a proposta que Manuel Fernández-Montesinos,
responsável pela gestão dos direitos de Lorca até sua morte em 2013, propôs à
Comissão Europeia: pedia que a entrada em domínio público ocorresse 150 anos
depois do nascimento de um autor, já que a duração da vida e as causas da morte
criam diferenças abismais. Mas a ideia não foi adiante.
Fonte:
Jornal EL PAÍS (Digital) – Seção Cultura:
Literatura
Autores: Jésus Ruiz Mantilla e
Tommaso Koch
Madri, 1 de janeiro de 2017
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/30/cultura/1483092260_837815.html
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