Apesar do avanço feminino na sociedade contemporânea, o preconceito persiste em escala globalizada
A premiação foi concedida a 113 pessoas. Apenas 14 mulheres a receberam desde 1901, quando foi criada pela Academia Sueca, conforme levantamento do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A primeira foi a sueca Selma Lagerlöf, em 1909, e a última a bielorrussa Svetlana Alexijevich, em 2015.
Uma das responsáveis pelo estudo, Márcia Rangel, doutoranda em ciência política, explica que, a partir dos dados oficiais dos vencedores, foram feitas categorizações por meio de fotos. Apesar da longevidade da premiação (115 anos), a diversidade de gênero e de raça é pouco expressiva. O perfil predominante é de brancos (94%), homens (88%) e europeus (69%). Mulheres constituem apenas 12% dos premiados, enquanto negros e asiáticos são 3% (cada).
A escritora Maria Esther Maciel, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que tanto o Nobel quanto outros prêmios literários não privilegiam as mulheres. A visão de que a literatura é prática masculina ainda persiste no senso comum, apesar de ter crescido a participação feminina em todos os gêneros literários, afirma.
“À mulher é negado esse espaço em decorrência de algo arraigado em nossa cultura”, diz Maria Esther, lembrando que em diferentes momentos a produção das escritoras teve pouca ou quase nenhuma visibilidade.
Várias autoras são valorizadas tardiamente – e até postumamente – em decorrência de movimentos de resgate de sua obra. Exemplo disso é a mineira Maura Lopes Cançado (1929-1993), com a reedição de livro O hospício é deus pela Editora Autêntica. Lançado em 1965, ele voltou às prateleiras cinquenta anos depois. Maria Esther lembra o caso da venezuelana Teresa de la Parra, que escreveu Ifigênia no início do século 20, questionando as estruturas patriarcais. “Essa obra é ícone da literatura feminista latino-americana, mas não teve repercussão nenhuma na Venezuela”, observa.
Para a escritora Letícia Malard, professora emérita da UFMG, desde a criação do Nobel, o número de escritoras centuplicou, reflexo de mudanças socioeconômicas e da escolarização feminina. “Para que as mulheres possam avançar na literatura é preciso que a sociedade avance em outras áreas. Não consigo dissociar as coisas”, observa. O fato de a mulher dar conta de três turnos – trabalho, casa e filhos – reduz o tempo que pode dedicar à escrita. “A que horas ela vai escrever? De onde tirará tempo para se aperfeiçoar?”, questiona.
Na avaliação de Constância Lima Duarte, professora da Faculdade de Letras da UFMG, as mulheres se tornam cada vez mais visíveis no campo literário. “Há apenas um século, a situação era bem diferente. A crítica acolhia com muita reserva os livros assinados por mulheres”, diz. Para ela, o fato de o Nobel ter contemplado poucas autoras revela a persistência da desigualdade de gêneros. “O preconceito arraigado nas mentalidades masculinas se torna visível no corpo de jurados”, diz. Outro ponto desfavorável é o fato de livros de escritoras que não escrevem em inglês terem pouca visibilidade.
A produção das brasileiras é bastante frutífera. Letícia Malard, que já foi jurada do Prêmio Jabuti, destaca nomes de diferentes gerações: Cíntia Moscovich, Maria Valéria Rezende, Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon. Ela chama a atenção para Beatriz Bracher e Maria Adelaide Amaral, na área de dramaturgia, e para jovens que se dedicam à literatura de diversão. “Paula Pimenta sabe escrever para os jovens”, destaca
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